As moedas digitais e as novas formas de realizar transações financeiras têm feito a diferença no mercado financeiro. Mas elas são apenas um elo de uma cadeia enorme de soluções que chegaram para mudar a forma como lidamos com o dinheiro e os meios de pagamento. Enquanto os intermediários dão espaço à autonomia dos usuários, os novos sistemas criam ferramentas para garantir a segurança das relações. O tradicional dá espaço ao novo, sem perder os princípios básicos de qualquer relacionamento.
No contexto no qual as moedas digitais garantem a possibilidade de realizar transações diretas entre indivíduos, retirando intermediários deste processo, surge o conceito de Finanças Descentralizadas (DeFi), que têm como objetivo reformular todo o sistema financeiro, afastando a imposição de um agente centralizador.
A iniciativa traz impacto significativo, tendo em vista que, mesmo diante das crises econômicas, percebe-se que o segmento bancário segue resiliente e, em muitos momentos, apresentando lucros mesmo diante de cenários de retração. Para se ter uma ideia, no ano de 2019, os lucros percebidos pelos mil maiores bancos do planeta corresponderam a US$1,135 trilhão.
De onde veio o DeFi?
Benéfico para as instituições financeiras, as formas de financiamento têm funcionamento sólido, tendo em vista que os bancos intermediam operações tomando recursos de quem possui e emprestando a quem está com déficit. Pelo serviço, há a cobrança de um percentual, chamado spread bancário que mede a diferença entre o custo de captação e os juros de empréstimos. A maior parte disso é convertido em lucro do banco.
Com o advento do blockchain, a cadeia de blocos na qual se baseia o funcionamento das moedas digitais, a utilização de criptografia se expandiu no mercado, acompanhada das criptomoedas. Muitas das soluções nasceram para resolver problemas que surgiram juntamente com o Bitcoin, a partir de 2009, além de sanar situações já conhecidas, mas ainda sem solução até então. Uma das novidades percebidas foi a possibilidade de afastar o intermediário do processo, fazendo com que as instituições financeiras deixassem de lucrar sobre as transações realizadas.
Isso é possível porque os protocolos DeFi permitem a reestruturação do sistema financeiro, permitindo que serviços como oferta de crédito, empréstimos, seguros, câmbio, entre outros, sejam realizados mesmo sem a figura de um agente central. A possibilidade está em estágio avançado de estruturação, sendo que esse mercado já vale mais de US$50 bilhões, com possibilidade de crescimento exponencial.
As criptomoedas trouxeram consigo diversos projetos de protocolos de finanças descentralizadas. Como analogia, pode-se comparar o sistema com uma startup, sendo que cada criptomoeda seria uma empresa, com desenvolvedores de software e equipe própria. A criptomoeda pode ser compreendida, de forma simplista, como a ação da empresa listada na “bolsa de valores”, sendo que sua oscilação depende de vários fatores, como o sucesso no desenvolvimento do projeto, além da especulação dos investidores. A empresa (criptomoeda) que deu início a toda essa revolução em relação aos smart contracts, foi a Ethereum, desenvolvida em 2014 por Vitalik Buterin, que concedeu os meios necessários para a construção desse novo ecossistema.
Stable coins e a estabilidade econômica
A primeira preocupação da sociedade quando da inserção de um sistema financeiro é a criação de uma moeda ou dispositivo similar que possua um valor intrínseco. Devido à alta volatilidade dos ativos, no mercado de criptomoedas o receio por parte dos cidadãos pode ocorrer, tendo em vista que pode haver um desencorajamento natural em adquirir um ativo com tamanha volatilidade. Para minimizar esse fator, foram criadas as stable coins, que têm como função amparar uma proporção igualitária, de um para um, em relação ao dinheiro salvaguardado em uma conta tradicional.
Trata-se de um tipo de criptomoeda que possui um valor de mercado estável. Ela pode ser indexada a moedas tradicionais, por exemplo. Para criar uma stable coin, as desenvolvedoras estabelecem uma quantidade equivalente de dinheiro em moeda fiduciária, como euro ou dólar. Atualmente, as principais são TrueUSD (TUSD), USD Coin (USDC), Gemini (gUSD), Tether (USDT). Em meio a um contexto inovador e, de certa forma, independente, elas trazem estabilidade ao processo e, consequentemente, confiança.
Autonomia do usuário e segurança do mercado
Ao longo dos anos, o que se percebeu, com ápice na criação das moedas digitais, foi um protagonismo do investidor como dono do seu próprio patrimônio. Ele é capaz de acessar diversas ferramentas, optar por uma vasta gama de produtos e serviços e tem poder de escolha sobre qual caminho seguir, diferente de uma realidade anterior em que esse usuário era guiado por um consultor (muitas vezes com perfil comercial e não técnico) atrelado a uma instituição financeira consolidada. Os meios digitais e a transparência proporcionada por eles trazem consigo uma nova realidade. Do outro lado, as empresas também experimentam uma fase de mudanças. Bitcoins já são aceitos como forma de pagamento, enquanto o blockchain está inserido em diferentes contextos.
Enquanto bancos centrais trabalham em emissão de papéis-moedas, fintechs e demais startups apostam em marketplace e outros modelos de plataformas. Ao mesmo tempo, a população consegue pesquisar de forma rápida e segura sobre os canais e meios que está aderindo, facilitando suas tomadas de decisões. O open bank, que deve ser regulamentado no Brasil ainda em 2021, surge para organizar esse novo comportamento, criando uma unidade quando se refere a dados financeiros, possibilitando o compartilhamento de dados financeiros e bancários dos usuários.
Certamente, as criptomoedas saíram na frente quando o assunto foi personalização, liberdade, praticidade e experiência positiva do usuário. As moedas digitais, aliadas às inovações de fintechs, ao open bank e novas modalidades de consumo reforçadas especialmente pós-pandemia deverão refletir numa revolução do ponto de vista financeiro no Brasil e no mundo.
Os sistemas de pagamentos e a DeFi
Todo o sistema de pagamentos por meio de moedas digitais independe de instituições financeiras intermediando o processo, revolucionando o setor e, ao mesmo tempo, acendendo um alerta sobre o futuro dos bancos em todo o mundo. As instituições financeiras ocupam lugar importante, financeiramente falando, com poder de influência e decisão robustos. Certamente, trata-se de um marco histórico que tira as empresas atuais da zona de conforto e sugerem uma revolução que será experimentada nos próximos anos.
A difusão tecnológica possibilita que não só instituições financeiras ou empresas, no geral, tenham o poder de criar e entregar soluções à sociedade. Agora, todas as pessoas são inovadoras, em potencial, com meios de informação que, de certa forma, relevando-se as desigualdades sociais, democratizam o acesso e a entrega de soluções. Cada pessoa não é apenas usuário em potencial, mas detentor da tecnologia e criador de um novo processo, caso dedique-se a isso.
O mundo jurídico também deve experimentar mudanças, atendendo às alterações trazidas pelos novos contratos. Entretanto, a forma se atualiza. Apesar de carregar consigo os mesmos princípios, a maneira de efetivar os acordos se transforma, afastando o analógico e apropriando-se do digital. As garantias antigas e os métodos de segurança atuais carregam em comum o objetivo, que é assegurar o usuário em relação à proteção de seu patrimônio. O valor dessas garantias se mantém, bem como a busca incansável por novas formas de preservar o direito à propriedade. Os smart contracts mostram que o processo digital não é apenas utilizar de plataformas próprias dos tribunais ou protocolos por e-mail. A modernidade pede muito mais que isso.
O usuário multifacetado precisa compreender sobre economia, teses jurídicas, e tecnologia da informação. Enquanto a burocracia se afasta de um lado, vale lembrar que selar um acordo com aperto de mãos não é mais a principal opção, já que há momentos em que os acordos são assinados por senhas de pessoas que sequer conhecem umas às outras.